Bruxaria e sexualidade: a caça às bruxas
Quem foram as bruxas na vida real? E se a bruxaria era somente um modo de vida mais "natural", mais conectado com a natureza, com o corpo, com a sexualidade?
Somos as bisnetas das feiticeiras que vocês não conseguiram queimar: a perseguição às bruxas e a repressão de sua sexualidade segundo o livro "1484 - O Martelo das Feiticeiras"
O período de caça às bruxas aconteceu por mais de quatro séculos (do século XIV ao XVII), desde seu início na Alemanha até sua introdução na Inglaterra. A perseguição às bruxas iniciou-se nos tempos do Feudalismo e durou até o Iluminismo, e adotou diversos formatos segundo o momento e lugar, mas sem perder em nenhum momento sua característica essencial de campanha de terror desencadeada por uma classe dominante dirigida contra a população camponesa do sexo feminino. De fato, as bruxas representavam uma ameaça política, religiosa e sexual para a Igreja, tanto Católica como Protestante, e também para o Estado.
Estima-se que quase 100 mil pessoas foram condenadas por bruxaria durante o período inquisitório, que usou da força, da justiça e de queimaduras para torturar e matar mulheres, e do nascimento da imprensa para disseminar as ideias e conceitos desumanos dos dominicanos Heinrich Institoris e James Sprenger, tudo sob aval do papa na época, Inocêncio VIII. Foi o papa que fez questão de escrever uma bula papal (lei eclesiástica), autorizando o conteúdo do livro O Martelo das Feiticeiras - Malleus Maleficarum, um manual traduzido em diversas línguas e usado durante todo esse período como um guia para identificar as bruxas e como um manual de ódio, punições e torturas.
Claro que todo o cerne do mal, estava relacionado às mulheres - e principalmente, à sua sexualidade. Os inquisidores acreditavam que as bruxas copulavam com o demônio e não aceitavam outra confissão que não fosse essa, para eles a mulher é mentirosa por natureza. “Toda malícia é leve, comparada com a malícia de uma mulher.”
“É um fato que maior número de praticantes de bruxaria é encontrado no sexo feminino. Fútil é contradizê-lo: afirmamo-lo com respaldo na experiência real, no testemunho verbal de pessoas merecedoras de crédito.”
O Martelo das Feiticeiras é composto por três partes:
- a primeira prova a existência das bruxas
- a segunda mostra como reconhecê-las
- e a terceira trata do julgamento e da condenação das bruxas.
Vale ressaltar que O Martelo das Bruxas era um livro com qualidade jurídica, uma vez que dava o direcionamento de que condutas aplicar em caso de heresia, e foi usado por séculos, causando sobre as mulheres impactos profundos que perpetuam até hoje. A propagação e eficácia desses escritos contribuíram para a submissão feminina, porque se acusada de heresia as chances de uma mulher não ir para a fogueira eram praticamente nulas.
Ele embasa suas ideias colocando a mulher como herdeira do pecado original:
“...em virtude dessa falha, a mulher é um animal imperfeito, sempre decepciona e mente.”
E claro, a grande crença de que as bruxas têm pactos sexuais demoníacos:
"Há três coisas insaciáveis, quatro mesmo que nunca dizem: Basta! A quarta é a boca do útero. Pelo que, para saciarem a sua lascívia, copulam até mesmo com demônios. Poderíamos adiantar ainda outras razões, mas já nos parece suficientemente claro que não admira ser maior o número de mulheres contaminadas pela heresia da bruxaria.”
Só existem bruxas, não bruxos: a bruxaria era algo exclusivamente feminino, por mais que as práticas, rituais e supertições fossem as mesmas. Enquanto outros autores da época consideravam as mulheres eram apenas propensas à superstição, Heinrich Institoris e James Sprenger foram além, afirmando que os pontos fracos tornavam a mulher passível às ciladas do diabo, em corpo e espírito.
“E por esse motivo convém referir-se a tal heresia culposa como a heresia das bruxas e não a dos magos, dado ser maior o contingente de mulheres que se entregam a essa prática. E abençoado seja o Altíssimo, Que até agora tem preservado o sexo masculino de crime tão hediondo: como Ele veio ao mundo e sofreu por nós, deu-nos, a nós homens, esse privilégio."
Os magos, ao contrário das bruxas, jamais poderão estar ligados ao diabo, pois isto só ocorre por meio de um pacto explícito selado com a relação sexual, desconsiderando portanto a homossexualidade.
O Malleus Maleficarum é um livro religioso de uso jurídico e político, onde os inquisidores afirmam constantemente que toda a heresia é feita com a permissão de Deus. Ainda que tenhamos evoluído muito em relação aos direitos das mulheres, ao olharmos para o passado, notamos que fragmentos dele continuam no presente: a subjugação da sexualidade feminina que está sempre à serviço do externo, e a crença de que em nome de Deus se pode cometer os maiores absurdos.
Ilustração William A. Crafts (1876)
Escrito por Larissa Ely
Edição e seleção de imagens: Caroline Jacobi
Imagem capa: Francisco Goya El Aquelarre (Sabá das Bruxas - Witches' Sabbath - 1798)
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